Tuesday, October 24, 2006

Origens da Literatura Portuguesa


As primeiras manifestações da literatura portuguesa são em verso, datam do séc. XII e estão reunidas em três colectâneas: o Cancioneiro da Ajuda (séc. XIII), o Cancioneiro da Vaticana e o Cancioneiro da Biblioteca Nacional (sendo estes cópias de textos mais tardios).


Cancioneiro da Ajuda: Jogral com viola de arco, rapariga com pandeiro



Os primeiros poetas são João Soares de Paiva e Paio Soares de Taveirós, sendo da autoria deste último a célebre «Cantiga da Garvaia».
Remetendo, nas suas origens, para a tradição oral, esta produção lírica é difundida por trovadores (poetas) e segréis (instrumentistas) e jograis.
Pensa-se que o lirismo medieval sofre a inspiração latina mas se fortalece em poesia popular, estabelecendo as «harjas» moçárabes uma ligação à poesia românica, muito especialmente às cantigas de amigo.



No mundo nom me sei parelha
mentre me for como me vai,
ca ja moiro por vós e ai!
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia.
Mao dia me levantei
que vos entom non vi fea!

Paio Soares de Taveirós, «Cantiga da Garvaia» - (1.ª estrofe)





O Lirismo
O lirismo tem a sua primeira afirmação nacional na poesia trovadoresca, cujos géneros principais são: as cantigas de amor (assimiláveis à poética provençal, na qual o poeta exprime uma forte admiração e submissão em relação à mulher amada), as cantigas de amigo (caracterizadas por veicularem a expressão feminina), as cantigas de escárnio e maldizer (sátiras e motejos), as albas (que remetem para situações de alvorada), as bailias (que remetem para as danças) e as barcarolas (que versam temas marinhos ou relativos às águas dos rios).

O lirismo medieval tem uma poética muito própria, fortemente codificada na metrificação e nos agrupamentos estróficos, e muito distinta da evolução que a poesia vai seguir, sobretudo devido ao renascimento e à imitação dos antigos, que mantém os rigores da modificação poética mas a altera substancialmente.



Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes, os tristes,
tão fora de esperar bem
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

João Roiz de Castelo-Branco, Cancioneiro Geral



Por isso é comum apontar o Cancioneiro Geral (1516), de Garcia de Resende, como uma colectânea de transição, onde autores renascentistas como Bernardim Ribeiro (cultor de metros tradicionais, exprimindo uma visão moderna da experiência amorosa e do desengano) e Sá de Miranda (ligado a uma visão do mundo mais convencional, mas programaticamente, e formalmente, adepto da escola classicista) aparecem a par. Mas o sistema dos géneros modifica-se: cultivam-se as elegias, as odes, as sátiras, as epístolas, os epigramas, assim como as canções (que em muito se aparentam às elegias) e os sonetos, forma recente mas comummente adoptada na literatura europeia ocidental. A obra de Camões constituirá a prova da fecundidade deste sistema.

Mas o Romantismo irá desprender a expressividade poética da contenção formal até então em uso, especialmente com José Anastácio da Cunha e com Garrett, e o Simbolismo, juntamente com o Modernismo, abrirão as portas a uma libertação da linguagem da poesia, apta, a partir daí, a variáveis discursivas que, de Cesário Verde a Camilo Pessanha, Fernando Pessoa e, mais recentemente, Herberto Helder, a habilitam a um diálogo com o mundo em termos de criação simultaneamente implicada e autónoma.


1 comment:

Gustavo Monteiro de Almeida said...

Uma vez mais parabéns pelo gosto, pela escolha, e por demonstrares esse grande amor pela nossa Portugalidade que está bem assente no mundo, e frutificou nos mais distantes confins através, também, da poesia e da literatura.

Bem hajas,

Gustavo