Saturday, May 27, 2006

Lisboa Queirosiana: O Aterro



(O Aterro)

«... Mas Carlos não escutava, nem sorria já. Do fim do Aterro aproximava-se, caminhando depressa, uma senhora - que ele reconheceu logo, por esse andar que lhe parecia de uma deusa pisando a Terra, pela cadelinha cor de prata que lhe trotava junto às saias, e por aquele corpo maravilhoso onde vibrava, sob linhas ricas de mármore antigo, uma graça quente, ondeante e nervosa. Vinha toda vestida de escuro, numa toilette de serge muito simples que era como o complemento natural da sua pessoa, colocando-se bem sobre ela, dando-lhe, na sua correcção, um ar casto e forte; trazia na mão um guarda-sol inglês, apertado e fino como uma cana; e toda ela, adiantando-se assim no luminoso da tarde, tinha, naquele cais triste de cidade antiquada, um destaque estrangeiro, como o requinte claro de civilizações superiores.
À maneira que ela se afastava, parecia-lhe maior, mais bela: e aquela imagem falsa e literária de uma deusa marchando sobre a Terra prendia-se-lhe à imaginação.
...
Sim, era bem uma deusa...»

(Os Maias)

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